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Treinados para destruir – II

Estórias infantis

Estória 1

A cândida Chapeuzinho Vermelho, levava doces para a vovozinha sem saber que o terrível Lobo-Mau a espreitava por entre as árvores da floresta, ávido para comê-la. Não conseguindo o intento, a fera devora a indefesa velhinha e, deitando-se em sua cama, aguarda para dar o mesmo destino à criança. Chapeuzinho Vermelho, porém, é salva por caçadores amigos que, matando a fera, abrem sua barriga com uma faca e liberam a vovó (em algumas versões, os impiedosos caçadores enchem de pedras a barriga do lobo, agora vazia).

Estória 2

João e Maria embrenham-se na floresta levando comida para o pai. Afim de encontrarem o caminho de volta, enquanto andam, lançam ao solo pedaços de pão. Na volta, perdem-se na escuridão da mata, pois os passarinhos haviam comido as migalhas que indicariam o retorno seguro.

Mas, a bruxa cruel, que vive na floresta, encontra e prende os meninos, mantendo-os cativos em sua casa.

Dia após dia, a malvada as alimenta, pretendendo devorá-las.

Mas, o pai mata (ou prende ou maltrata) a bruxa, libertando as crianças.

Estória 3

O Lobo-Mau assoprou e derrubou a casa do porquinho que, apavorado, refugiou-se na casa de madeira de seu irmãozinho.

Uma vez mais, o Lobo-Mau assoprou, assoprou e destruiu a segunda casa. Os dois porquinhos, correndo e gritando, procuraram abrigo na casa de tijolos do irmão mais velho. O lobo assoprou sem sucesso. Tentou entrar pela chaminé e voltou pelo mesmo caminho, sapecado pelo fogo da lareira, urrando de dor.

Há alguns anos, uma pesquisa perguntava a crianças brasileiras:

Você gosta da floresta?

Eu não! – respondeu a maioria.

Por quê? – insitiu o questionador.

Porque na floresta tem o castelo da Bruxa – disse uma. Na floresta tem o Lobo-Mau – justificou outra. Lá, tem Saci-Pererê; tem Mula Sem Cabeça…

Embora estas estórias até façam pior, nenhuma delas tem o propósito de amedrontar crianças. E, nenhuma criança vai deixar, quando adulta, de defender a floresta só porque ouviu as estórias do Lobo-Mau ou João e Maria.

Entretanto, o subconsciente humano é mais direto e simples. Nele, o medo da floresta não tem data. Para ele, não existe a floresta de hoje e a floresta de ontem. A floresta que ele conheceu, quando pequeno, existe.

A floresta de hoje, que está em seu consciente, é rica em biodiversidade. A floresta de ontem, do seu inconsciente, é rica em Lobo-Mau e Bruxa Malvada.

Esta criança, quando adulto, terá menos sensibilidade para com as agressões a uma floresta do que a criança cujo inconsciente foi trabalhado de modo a entender a floresta como algo menos fantasioso e amedrontador (e, sabemos, bruxas moram em qualquer lugar, não necessariamente em florestas).

Se uma floresta for ameaçada ela, agora adulto, poderá erguer bandeiras em sua defesa mas, lá em seu inconsciente, irá respirar aliviada, como quem diz:

– Graças a Deus, estão destruindo meus medos!

Ao longo de sua vida, novos conceitos semelhantes a estes, serão acrescidos. Cada um a seu tempo. Cada um, devidamente justificado. Ao fim, quando estiver na idade de tomar decisões, as agressões ao mundo natural estarão também devidamente justificadas.

Embora, as estórias infantis não sejam restritas a florestas (umas estimulam o consumo; outras, a pura e simples crueldade, como aquelas que estigmatizam aves como de mau-agouro, animais como ladrões, espertalhões, sovinas, preguiçosos, traiçoeiros, e demais aspectos morais humanos) é certo que toda cultura que tem a floresta como local de risco, é incompatível com a proteção ao mundo natural.

Se, na origem da civilização, a floresta representou aos humanos riscos de morte, hoje é a própria civilização quem representa à floresta riscos mortais.

Não é ao acaso que Edward Wilson, em seu livro O Futuro da Vida, diz: “A luta para salvar a diversidade biológica será vencida ou perdida nas florestas”.

Somos treinados para destruir. Podemos nos treinar para agir de outra forma?

Fonte – Luiz Eduardo Cheida, médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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