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As duas partes de uma velha questão

Bem pode aquele que come a carne do cordeiro (…) Alardear sua humanidade, dizendo: “Minhas mãos jamais mataram um carneiro”; e censurar como crime o cruel e necessário ofício do açougueiro. (Nathaniel Bloomfield – poeta inglês do século XVIII)

Não é difícil encontrar, dentre os que defendem um ambiente equilibrado, críticas tórridas endereçadas a agricultores que, optando por métodos tradicionais, encharcam suas propriedade com toneladas de agrotóxicos.

Os que criticam, estão certo. Porém, essa é só uma parte da questão.

Muitos já percebem a contradição entre o modelo agrícola que garante uma fantástica produção, ao injetar 40 milhões de quilos de agrotóxicos ao ano em território paranaense (ou 66 quilos por minuto), e a promoção da vida humana.

Ao mesmo tempo em que comemoramos índices de produtividade firmes e crescentes, nos debruçamos em lamentos pelos também crescentes e firmes índices de câncer de fígado e pâncreas; suicídio de jovens adultos nas lavouras de fumo; a surpreendente presença de agrotóxico no leite de mães do norte do Estado; o completo desconhecimento acerca do volume de BHC ainda estocado de forma clandestina; e a quantidade de veneno que entra ilegalmente, através do Paraguai, para ser utilizado nas lavouras do Paraná.

Muitos dos que são capazes de compreender esta simples e cruel contradição são incapazes de travar uma luta renhida para que a coerência normatize padrões de sensatez. Pois, estas pessoas apenas a título de exemplo, ao escolherem na feira de domingo uma simples batatinha, teimam em levar para casa a maior, a mais bela, bem-formada, exuberante, a de casca lisa e regular. Exatamente, a batatinha eivada de agrotóxicos. Na banca do feirante (se houver), permanece encalhada a batatinha cultivada de forma orgânica, sem adubos químicos, fungicidas e outros pesticidas: pequena, irregular, feia e de casca manchada.

O mesmo acontece com o tomate, a cenoura e quetais.

Assim, o agricultor não encharca a propriedade com agrotóxicos porque seja um delinqüente ambiental. O faz porque o mercado exige (e, naturalmente, que ninguém é bobo, para aumentar a produção e engordar os lucros).

E, quem é o mercado senão os consumidores? Senão nós mesmos?

Da mesma forma que em outros itens de consumo, a depender do interesse de quem consome, o mercado pode ser promotor e algoz de si mesmo.

Para tanto, é necessário que os consumidores tenham informações suficientes para seu juízo de valor. Aí, talvez resida o segredo da saudável decisão.

Por isso, apenas condenar quem empesteia o solo, a água e os alimentos, é apenas uma parte da questão. A outra parte, diz respeito a nós mesmos, os que também podem evitar que isso aconteça.

Caso contrário, como no poema de Bloomfield, come-se a carne do cordeiro e condena-se ao crime o açougueiro.

Nada mais cômodo.

Vamos reagir.

Fonte – Luiz Eduardo Cheida

Imagem – darbyfieldinn

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