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O nosso lado Homer Simpson

Perguntamos a Vera Rita de Mello Ferreira, professora da Fipecafi-USP, o quanto a ação do consumidor, sozinho, faz a diferença na melhoria das condições da sociedade e do ambiente, ou se são necessárias medidas de larga escala e amplo alcance, como a coibição à sacolinha plástica.

Nesta entrevista, ela responde que empurrões – o chamado nudge – são importantes para auxiliar o indivíduo a fazer a escolha que julga melhor para si e para a sociedade, mas que acaba não conseguindo fazer devido a uma série de motivos. O indivíduo quer fazer, mas se perde no caminho. “É nosso lado Homer Simpson, que toma sorvete com a testa”, diz Vera, autora dos livros A cabeça do investidor e Psicologia Econômica.

O que é o nudge?

Nudge é um empurrãozinho, um cutucão. É dar um empurrão para as pessoas fazerem aquilo que gostariam, mas se atrapalham no meio do caminho.

Porque se te perguntarem: “Você quer viver sem ar? Sem água? Sem comida?” Não. Então você vai precisar fazer isso, isso e isso. Aí você responde: “Ai, que preguiça”, ou, “Ah, sim, vou querer fazer, mas hoje não, vou começar amanhã”. Todas essas limitações cognitivas, do processamento do conhecimento, e emocionais que todo mundo tem, ficariam mais reduzidas em um contexto com nudges, com empurrõezinhos, para as pessoas irem fazendo aquilo que fosse melhor para elas.

Chamamos isso de “arquitetura de escolha”. Uma série de pesquisadores da economia comportamental e psicologia econômica acabaram desistindo de pensar nas questões de educação e conscientização, de empoderamento, achando que as pessoas não aprendem, ou dificilmente aprendem.

Ou demoram muito tempo para aprender?

Olha, não é bem questão de demorar. É de não conseguir aprender mesmo. Porque às vezes as oportunidades são escassas, ou não há um feedback ali prontamente adequado, especialmente em questões complexas como as econômicas, financeiras e ambientais. Quando há o que chamam de conflito de interesse, fica mais difícil ainda. Ou seja, se você quer incentivar a poupança, fica mais fácil porque todo mundo tem esse interesse, é legal para o governo, para os bancos e para as pessoas. Agora, em relação a crédito, por exemplo: os bancos querem dar crédito, mas isso nem sempre é bom para as pessoas. Na questão ambiental, claro que também tem conflito de interesse, até porque falta clareza de qual é a escolha intertemporal que estão fazendo, ou seja, se você ficar pensando só no que é prático e fácil no curto prazo, você vai pagar um preço mais alto no longo prazo.

Ou você, ou a geração futura, né?

Nós, nesta geração, já estamos pagando. De todo modo, as pessoas tem essa dificuldade, as empresas também. Acaba-se operando no curto prazo, no que se chama de “eu quente”. Os autores do livro Nudge– O empurrão para a escolha certa, Richard Thaler e Cass Sunstine , chamam isso de nosso lado “Homer Simpson”, aquele que toma sorvete com a testa. Eles acham que, para essas situações, em que é difícil as pessoas aprenderem com a experiência, é difícil tomarem decisões consistentes, é difícil ter um feedback que ajude a ensinar, são poucas as oportunidades de repetir a experiência muitas vezes –na questão ambiental, a gente está acabando com o ambiente uma vez, não vai ter outra vez para aprender. Não vai ter muita chance de aprender com o erro, será tarde demais. Então eles sugerem que em todas essas situações, o mais adequado é que gestores desenhem o contexto de uma maneira que torne quase impossível tomar decisões cretinas. O “cretina” vai por minha conta, em inglês é fool proof.

Nesse processo de escolha, as pessoas podem questionar se adianta individualmente fazerem algo bom para o ambiente, se a maioria não faz?

Por isso a arquitetura de escolha pretende chegar a todo mundo, seria uma espécie de política pública, de ações de empresas em larga escala. Mas tem duas coisas importantes nisso: você não tira a opção da pessoa de fazer besteira, se ela quiser muito. Por isso, o nome original, que é meio assustador, é “paternalismo libertário”. Paternalismo porque indica o caminho, e libertário porque não é obrigatório. Então vem aquela discussão sobre quem vai decidir o que é melhor. Acho que isso é absolutamente irrelevante pelo seguinte. Um: o contexto já está desenhado, já existe arquitetura de escolha sendo feita o tempo inteiro, ou aleatoriamente, ou via propaganda e marketing. A minha ideia é que, as pessoas que vão receber os cutucões, possam de alguma maneira participar da construção do contexto, porque isso não quebra o encanto.

Como assim, construção do contexto? Poderia dar um exemplo?

Vou dar um exemplo mais na minha área, a econômica. Você quer poupar e não consegue. Combina no banco o esquema de fazer um desconto automático vai para uma conta separada, para dificultar de mexer. E automática para evitar a tentação de adiar o investimento. Ou então a pessoa está fazendo dieta, vai ao supermercado e não compra chocolate. Como não tem em casa, ela vai ficar com preguiça de sair para comprar quando tiver vontade.

Nas questões ambientais, eles dão exemplos no livro – que inclusive está traduzido para o português. Na Califórnia, com aquela crise toda de energia, puseram um aparelhinho na casa das pessoas que mostra quando você está consumindo abaixo do seu teto: fica uma carinha sorridente verdinha. Quando está chegando perto do teto, fica amarelo e mais sério. Quando ultrapassou, fica vermelho e faz careta. Reduziram o consumo em até 40%, porque a energia é invisível. Você quer economizar, mas não sabe se está no limite, se está abaixo dele. Então fazer coisas que deem oportunidade de ter informações precisas, na hora, isso ajuda a trazer a escolha intertemporal para o presente. Se não, você fica consumindo agora e só daqui a um mês vem a conta e você se espanta. No dia seguinte, apaga as luzes etc. Mas logo em seguida esquece, porque tem tantas outras coisas do dia a dia para se preocupar.

Uma hipótese que levanto no meu livro: o fato de não ter uma data precisa, o colapso, a catástrofe vai acontecer no dia tal, dificulta. Eu comparei com o Bug do Milênio. Neste caso, todo mundo fez o que precisava. Isso pra mim é um enigma, como foi que todo mundo conseguiu se preparar, e ainda envolveu uma enorme grana. Pensando na questão ambiental, não tem um prazo, uma data em que o “bicho vai pegar geral”. Então, as pessoas continuam a empurrar com a barriga.

Já existem empresas, ou governos, ou políticas levando o conceito do nudge na prática?

Sim, isso começou, inclusive, com o trabalho que os autores do livro fizeram com o plano de pensão dos EUA. É o seguinte: no primeiro dia de trabalho, as pessoas precisam já fazer uma série de escolhas. Estão chegando no trabalho e recebem um formulário no qual têm que já marcar algumas coisas: se vão aderir ou não, se quando tiver um reajuste no salário querem que ajuste a contribuição ou não, onde vão investir etc. O resultado é que grande parte das pessoas não aderia. E, quando aderia, não marcava a opção de aumentar cada vez que tivesse um aumento de salário, o que depois vinha a impactar na renda da aposentadoria. Então os pesquisadores usaram o conhecimento de psicologia econômica: simplesmente inverteram a ordem nas opções do formulário. Só isso. Em primeiro, colocaram “eu quero aderir e quero que aumente cada vez que tiver um reajuste de salário automaticamente”.

Que estratégia os pesquisadores usaram? A nossa tendência em ficar com a primeira alternativa que surge. Como era uma opção mais sacrificada, e não estava no alto, as pessoas pensavam, “ah, estou sem cabeça de pensar isso agora, depois eu penso”. Passavam 30 anos e não faziam. Outra coisa que usaram: uma vez feita a escolha, entra na inércia e na procrastinação. Quando invertem, ajudam a pessoa a escolher o que de fato ela sabe que é melhor para ela, e depois ela fica com preguiça de mudar. Então pronto, viraram o feitiço contra o feiticeiro.

Outra coisa: usaram nossa aversão a perdas. Se perguntam para a pessoa: você quer ter um desconto agora, para contribuir? A pessoa responde que não. Se perguntar: e no ano que vem? Como a gente não consegue ver direito o futuro, a gente responde que no ano que vem não tem problema, pode descontar, sim. Então, pronto, as pessoas topam e acabam fazendo o que é melhor para elas.

O grande exemplo top de nudge é do banheiro masculino do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, que, para manter a higiene – porque parece que a rapaziada erra a mira – eles pintaram uma mosquinha bem no centro do urinol. Esse é o nudge, porque aí os caras ficam tentando acertar a mosquinha e molham onde devem. É ótimo exemplo de nudge, porque tem baixo custo e pode ser feito em larga escala. Se a pessoa não quiser, pode mirar no lugar errado, mas em geral toma a decisão mais adequada pra ela, porque é melhor usar um ambiente limpo.

A política de doação de órgãos, que considera todos como doadores a não ser que se manifestem contra, seria um exemplo de nudge no Brasil?

Sim.

E essa questão da sacolinha pode ser um pouco de nudge também?

Pode ser. É algo interessante de as pessoas começarem a pensar no assunto.

Uma coisa: quando as pessoas sabem muitas outras estão fazendo, isso funciona como nudge também. Se eu souber que 70% das pessoas já não estão usando a sacolinha, eu vou me sentir estúpida de não fazer também.

Quando as empresas dizem que têm políticas a favor da sustentabilidade, elas deveriam adotar estratégias de nudge para provar que de fato estão comprometidas?

Sim, mas é preciso pensar em formas de ajudar as pessoas. No caso da sacolinha, se houvesse uma alternativa muito prática, sem dúvida que a adesão ia aumentar. Não sei qual. Que seja um ganchinho no carro para pendurar a sacola – pensei isso agora – isso já seria um nudge: algo que ajude as pessoas a lembrar, porque elas podem estar super bem intencionadas, mas se não tiver alguma coisa ali na mão… Você está comprando peixe no supermercado… é duro, né? Então algum lembrete, alguma coisa que ajude as pessoas a tomar a decisão.

A Tragédia dos Comuns é um argumento que reforça a importância do nudge?

Eu diria que reforça a importância de continuarmos pensando sobre melhores praticas, alternativas, encaminhamentos viáveis e inovações que ainda não alcançamos. A “arquitetura de escolha” – o termo não é meu, é do Thaler e Sunstein, no livro Nudge – entra como parte desse debate. É uma das estratégias que podem ser usadas.

Saber que o consumidor não sabe fazer a melhor escolha não acaba por levar à desmobilização e põe por terra os esforços voltados à educação ambiental e a campanhas de conscientização?

Vejo como o principal risco reduzir as oportunidades para se aprender com a própria experiência – embora isso seja muuuuuuuuito difícil. Então, como comentei antes, defendo uma combinação de abordagens – a arquitetura de escolha com discussões com o próprio público-alvo que vai receber os nudges, para construí-los coletivamente. Com toda a facilidade das redes sociais, isso talvez seja mais viável que nunca. E com as pessoas se envolvendo mais nesse processo de elaboração conjunta, talvez isso aumente sua adesão às propostas de mudança também.

Fonte – Amália Safatle, Revista Página 22 de 12 de março de 2012

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