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Os Pecados da Biologia Sintética – como ela trará plásticos mais baratos através da ruína das nações mais pobres da Terra

Eis uma previsão sombria para meditar. A chamada “biologia sintética”, essa onda da biotecnologia, através da qual tecnófilos excêntricos engendram formas de vida peculiares, pode prejudicar as florestas tropicais e as comunidades que delas dependem. Tal tecnologia vai acabar custando vidas, provavelmente muitas delas!

E não estou sugerindo que haverá mortandade direta por vírus perniciosos, mas mortes econômicas. E os mortos não serão dignos de nota, serão agricultores, pecuaristas e moradores da floresta que vivem em nações pobres, e que dependem de produtos de origem vegetal.

A Biologia Sintética é festejada como uma panacéia, mas devemos ter clareza sobre os motivos que a tornam um negócio tão significativo, e quem será prejudicado. Seus defensores profetizam que biologia sintética levará a uma “Nova Bioeconomia”, através da qual a biologia será utilizada para realizar tarefas que hoje são realizadas pela indústria de transformação.

A nova Bioeconomia parece inocentemente verde (ecologicamente correta). Trata-se de leveduras e bactérias que estão sendo reprojetadas como bio-fábricas para produzir plástico, produtos químicos e combustíveis nos quais estamos viciados. Uma vez que micróbios se banqueteiam com matéria vegetal, seja ela resultante de algas, lascas de madeira, ou açúcar, as plantas substituiriam o petróleo como a principal matéria-prima para a produção industrial. O abastecimento de matérias-primas estratégicas, incluindo medicamentos, borracha e óleos, passaria das mãos dos agricultores do hemisfério sul, para tanques de fermentação controlados pelo Norte.

A agropecuária, indústria florestal, química, de biotecnologia e energia estão apostando dinheiro grosso nessa visão. A Chevron e a Procter & Gamble estão patrocinando a LS9 Inc., cujos micróbios sintéticos fermentam celulose de plantas transformando-a em gasolina, querosene de aviação, ou plástico. A Chevron também está apostando nas algas Solazyme que se alimentam de açúcar para produzir um substituto da gasolina; enquanto a Unilever está financiando a produção pela mesma empresa, de um substituto ao óleo de palma. A Exxon, British Petroleum, e a Novartis estão patrocinado a empresa Craig Venter Synthetic Genomics Inc. A General Motors e a Marathon Oil esperam que os “bichinhos” criados através de bioengenharia pela Mascoma possam converter lascas de madeira em etanol. A DuPont já transforma 40 mil hectares de milho por ano em plástico, graças ao fermento sintético.

Consideremos também a vedete da indústria Biosintética, a Amyris Biotechnologies. Seus pesquisadores já reprogramaram levedos para excretar uma substância que produz gasolina, diesel, plásticos, detergentes, perfumes, e muito mais. A lista de parceiros da Amyris parece muito com àquela dos participantes do Fórum Mundial em Davos: Shell, Mercedes, Oil Total, Procter & Gamble, Sanofi-Aventis, Cosan, Bunge, Al Gore, Bill Gates, e Vinod Khosla. A Amyris tem até certo verniz filantrópico, tendo recebido dinheiro de Bill Gates para produzir o composto antimalárico (artemisinina) em tanques no Leste Europeu, em vez dos campos do leste da África. Mas, quando a artemisinina sintética for comercializada, no próximo ano, milhares de agricultores de pequeno porte, que cultivam Artemísia, podem descobrir que sua fonte de renda lhes foi ceifada. Com o tempo, eles podem vir experimentar o desemprego tal como os seringueiros, enquanto a Goodyear aumenta sua produção de borracha de pneu através da E. coli sintética, seguidos de perto pelos fazendeiros de baunilha de Madagascar, quando a vanilina desenvolvida em laboratório entrar em produção em escala comercial .

Agricultores espoliados não são a única desvantagem dessa nova bioindústria. A fermentação de micróbios sintéticos exige grandes quantidades de plantas, eufemisticamente chamadas de “biomassa”. Surpreendentemente, a biomassa é escassa. È verdade que o planeta anualmente produz 320,000 milhões de toneladas de matéria vegetal, mas um quarto dela já é utilizada como alimento, ração e lenha. As plantas restantes lutam para limpar o nosso ar e água, reciclar carbono, sustentar a biodiversidade, e restabelecer a fertilidade do solo, funções realizadas por elas nos ecossistemas muito antes serem relegadas à condição de biomassa. Segundo a Global Footprint Network, já estamos excedendo esta capacidade biológica em 150 por cento, acumulado uma dívida com o ecossistema para a qual a natureza não pode oferecer nenhuma saída. Do ponto de vista dos sistemas da terra, extrair mais de biomassa do planeta é como tirar sangue de um paciente com hemorragia: estupidez.

A perspectiva ao nível de solo também é desanimadora. Quando a Amyris iniciar a produção comercial de óleo diesel à base de açúcar, neste ano, irá estimular a expansão da cultura brasileira de açúcar, a qual consome grandes quantidades de água, destruindo rapidamente a frágil bacia hidrográfica do Cerrado, empurrando a produção de soja mais fundo Amazônia à dentro, e liberando 150 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, devido às queimadas para colheita, mudanças no uso da terra, e utilização de adubos.

Os custos sociais também serão altos. A expansão das fronteiras agrícolas do Brasil aumentará o número dos sem-terra, engrossando as fileiras dos pobres urbanos. Entrementes no Brasil, a mesma cana é colhida por um exército de meio milhão de trabalhadores migrantes, muitos dos quais sofrem em condições de escravidão, com problemas respiratórios e morte prematura por exaustão.

É perfeitamente lógico que as empresas de Biologia Sintética, como a Amyris, se voltem para o Brasil como fonte de matéria prima. Oitenta e seis por cento da biomassa global é armazenada nos trópicos e subtrópicos, exatamente onde estão também, inconvenientemente localizados, os 1,5 bilhão de camponeses do mundo. A disponibilização da biomassa para a nova Bioeconomia pressupõe a extinção da “velha Bioeconomia”, da agricultura de subsistência, pecuária e coleta. Mesmo enquanto tal transição bioeconômica ainda está em andamento, já estamos assistindo a uma voraz disputa pela terra, material vegetal, e recursos naturais.

Segundo o Banco Mundial, cerca de 50 milhões de hectares de terras tropicais foram açambarcados por investidores estrangeiros nos últimos anos, dos quais 21 por cento para garantir biomassa para produção de biocombustível. Uma análise em apenas 11 países Africanos pela Friends of the Earth revelou uma área do tamanho da Dinamarca, recentemente adquirida para a produção de matérias-primas para biocombustíveis. Relatos in loco de tais aquisições (arquivados em www.farmlandgrab.org) falam de aldeias queimadas, camponeses assassinados, e famílias passando fome.

Quando se trata de notícias sobre biologia sintética, a criação de formas de vida à la Frankenstein é que chega às manchetes. Mas, na verdade, a ânsia mundana das empresas de biotecnologia, por mais terra, mais biomassa, e meios de subsistência é uma matéria muito mais importante.

Artigo produzido por Future Tense, uma colaboração entre a Universidade Estadual do Arizona, New America Foundation, e Slate. A conferência Future Tense sobre a capacidade dos governos em se manter em dia com os avanços científicos será realizada na sede do Google em Washington DC, em 3 e 4 de fevereiro de 2011.

Fonte – Jim Thomas, Slate de 2 de fevereiro de 2011

Para acessar os hiperlinks da matéria, visite http://www.slate.com/id/2283299/

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