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Sociedade de risco – II

– Árvore, quando morre, também vai para o céu?

Os conceitos de uma criança de quatro anos, como meu filho Pedro, que hoje cedo me fez essa pergunta, deixam claro que na origem do pensamento humano não se encontra a estúpida dicotomia entre a humanidade e o mundo natural.

Se ele soubesse filosofar, por certo teria dito algo assim:

– Se árvores são como humanos, então, nós humanos somos natureza também.

Nestes últimos 30 anos, em que ensino e aprendo sobre ecologia, tenho entendido que na raiz dos problemas ambientais está o conceito de que nós, humanos, somos a espécie eleita; o restante da criação existe como linha auxiliar. Uma espécie de ator principal e coadjuvantes. Para que este pensamento se sustente, é fundamental crer que os humanos são uma coisa e a natureza, outra coisa.

Quando essa forma de pensar toma parte da cultura, passa a não ser mais penoso destruir uma floresta, condenando suas espécies. Escravizar um cavalo para arar a terra ou mesmo atirar em um pássaro, só para treinar a pontaria, deixa de ser drama de consciência. Da mesma forma que poluir um rio, enfastiar de agrotóxicos a propriedade, exaurir o solo, poluir o ar…

Até a expressão “dominar a natureza” passa a ter sentido. Que sentido haveria nela caso o homem fosse natureza? Teríamos que concordar que um homem dominasse outro homem? Se o homem é não-natureza, então, tudo se ajusta.

Mas, as inocentes palavras da criança nos despertam do transe: se árvore também vai para o céu, então, vamos todos juntos. Afinal, somos iguais!

Ser igual é o primeiro conceito que uma sociedade equilibrada deve admitir.

A humanidade não é a espécie mais importante do mundo, tampouco a menos importante. Ela é tão importante quanto às demais. Atuar em litígio contra a natureza, intentando subjugá-la não faz mais sentido. Admitir isso, abandonando o velho conceito antropocêntrico, é deixar de lado o caminho da própria extinção e tomar o mesmo barco das espécies que se utilizam da solidariedade enquanto estratégia de sobrevivência sobre a Terra.

E, por isso mesmo, sobrevivem. Admitem a solidariedade aqueles que, opondo-se à tirania (um decide por todos) ou à oligarquia (poucos decidem por todos), acreditam na democracia (todos decidem por todos). Falo em democracia como o fim de toda forma de exploração. Por acreditar nela é que asseguro ser preciso radicalizá-la.

Radicalizar a democracia é o segundo conceito que uma sociedade equilibrada deve admitir.

Utilizamos-nos dos recursos naturais além da capacidade suporte do planeta e bem mais do que necessitamos. Agimos como se a natureza fosse infinita e de recursos inesgotáveis. Esta forma de proceder atenta contra nossa vida e a vida de outras espécies. Do ponto de vista ético, esta conduta humana é imoral.

Ora, se a espécie humana é a única que pode decidir se uma floresta tomba ou permanece em pé, ela tem, por contrapartida a este grande poder de decisão, uma grande responsabilidade. E deve ser uma responsabilidade irrevogável e para com todo o planeta.

Responsabilidade para com o mundo natural é o terceiro conceito que uma sociedade equilibrada deve admitir.

Santificar a ciência e a técnica como fontes do bem-estar social, é crença pueril. Abandonar os princípios da precaução e cautela, apostando em um crescimento a qualquer custo e sem limites (em um planeta finito) é bazofia.

A ciência e a técnica, que muitas vezes justificam modelos predatórios, obedecem a um sistema de valores. Se o sistema se modifica, modificam-se os modelos de sobrevivência natural e equilíbrio social. Hoje, somos uma verdadeira sociedade de risco.

Modificar seus conceitos seculares é bem difícil, admito. Entretanto, até hoje, o que é que se fez de duradouro que não tenha custado imensos esforços?

Como diz o médico e bioeticista, José Eduardo de Siqueira: “as gerações futuras não estão presentes, não votam, não tem poder político, não podem opor-se às nossas decisões”.
Entretanto, serão elas quem nos agradecerão.

Fonte – Luiz Eduardo Cheida, médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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