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Terras brasileiras compradas por estrangeiros: solo explorado, lucro exportado

Multinacional argentina que planta soja, milho e algodão em 14 municípios de Mato Grosso é acusada pelo Ministério Público de crimes contra a ordem trabalhista e os direitos humanos.

A empresa El Tejar, pelos relatórios de fiscalização realizados em várias de suas propriedades, pratica o dumping social e causa dano à sociedade, tanto de trabalhadores quanto de produtores rurais” José Pedro dos Reis, procurador-chefe do MPT em Mato Grosso

Primavera do Leste (MT) — A empresa O Telhar, vinculada à multinacional argentina El Tejar, ocupa 180 mil hectares com plantações de soja, milho e algodão em 14 municípios de Mato Grosso. Cerca de 40 mil hectares são áreas próprias. O restante é arrendado de brasileiros. Produz 600 mil toneladas de grãos por ano. No cartório de registro de imóveis de Primavera do Leste (MT), onde fica a sede da empresa, as terras estão registradas, mas não constam no livro de propriedades de estrangeiros. “Pela nossa legislação, ela é uma empresa brasileira”, explica o responsável pelo cartório, Herbert Fernandes Silva. No registro de terras estrangeiras do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), nada consta sobre as terras de El Tejar. Reportagem de Lúcio Vaz, no Correio Braziliense.

O procedimento é conhecido e começa a ser combatido pelo governo federal, a partir de recomendações do Ministério Público Federal. Empresas estrangeiras criam uma empresa no Brasil e passam a atuar no país sem qualquer controle. O resultado é que o Incra tem informações parciais sobre a dimensão e a localização das terras de empresas estrangeiras no país. Como mostrou uma série de reportagens publicadas pelo Correio, cerca de 4,3 milhões de hectares estão registrados em nomes de gringos(1), mas o instituto estima que o volume é pelo menos cinco vezes maior.

O procurador federal Marco Antonio Almeida, que integrou o grupo de trabalho responsável pela apresentação de sugestões para a solução do problema, explica a situação: “Temos uma brecha legal, que permite que essas empresas, usando esse suposto fato de serem nacionais — e na verdade não são, são estrangeiras, com capital integralmente estrangeiro — possam adquirir áreas no Brasil sem qualquer controle”.

A El Tejar é uma multinacional que atua na Argentina (sede), no Brasil, no Uruguai, no Paraguai e na Bolívia. Em seu site, informa que aplica o seu modelo de negócios para identificar, arrendar, adquirir e operar fazendas. “Nosso processo de seleção é projetado para localizar áreas com abundantes chuvas, solos produtivos e outras qualidades que permitam a produção de culturas rentáveis. Na avaliação de uma potencial aquisição, usamos imagens de satélites e dados climáticos históricos para realizar uma triagem inicial”, informa a empresa.

Reações

A O Telhar segue o modelo de produção da matriz. Em vez de operar diretamente as fazendas, prefere terceirizar integralmente o processo de produção, do plantio à colheita, utilizando quase sempre o trabalho dos fazendeiros que vendem ou arrendam as terras. O objetivo da empresa, segundo a sua assessoria, seria o de “estimular o empreendedorismo local”. O Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso considerou ilegal essa terceirização da atividade fim.

O presidente da Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja), Glauber Silveira, afirma que a atuação de O Telhar “é predatória”. Primeiro, porque oferece preços elevados e fora da realidade pelo arrendamento, afastando produtores brasileiros do processo produtivo. Segundo, por transferir aos terceirizados os custos trabalhistas e tributários. “Eles pagam 10 sacos de soja o arrendamento, quando o valor de mercado é sete. Mas os proprietários arrendam a terra e assumem e produção. Daqui a cinco anos, não terão mais máquinas.

A O Telhar informou ao Correio, por meio de nota, que iniciou as atividades em 2003, com arrendamentos e parcerias. Só a partir de 2007 adquiriu terras próprias, para assegurar a expansão da atividade. “O grupo tem como propósito construir uma empresa que permaneça por pelo menos 700 anos nos mercados onde está instalada.” Em relação à constituição de uma empresa no Brasil, disse que “isso faz parte dos trâmites legais exigidos para atuar no país. O foco da atuação de O Telhar não é a aquisição de terras, mas desenvolver um sistema de produção altamente produtivo. Como qualquer empresa constituída no Brasil, a O Telhar tem também compromisso com o cumprimento da legislação em todos os seus aspectos”.

1 – Brasileiras “da gema”

O cadastro de terras compradas por estrangeiros no Brasil aponta as maiores extensões nas mãos de portugueses, japoneses e italianos. Pelo menos 1,1 milhão de hectares, segundo os registros do Sistema Nacional de Cadastro Rural do Incra, estão em poder de pessoas físicas e de empresas dessas três nacionalidades. A companhia que aparece como maior proprietária, a Veracel Celulose, na Bahia, com 204 mil hectares, afirma ser brasileira, embora 50% do seu capital seja da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, uma das maiores empresas de produção de papel do mundo.

Instalações interditadas pelo MP

Os alojamentos da sede da fazenda Primavera, de propriedade da empresa O Telhar, em Primavera do Leste (MT), estão interditados pelo Ministério do Trabalho. A fiscalização apurou que as instalações não ofereciam condições adequadas de conservação, asseio e de higiene aos trabalhadores. Na lavoura, alguns estavam exercendo a atividade sem o equipamento de proteção para aplicação de agrotóxicos, e havia roupas contaminadas pelo veneno, o que caracteriza condições degradantes no meio ambiente de trabalho e pode tipificar o crime de situação análoga a de Escravo, segundo interpretação do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT).

Depois de confirmar oito denúncias contra a empresa, no fim de março deste ano, o MPT abriu inquérito para investigar mais de 70 fazendas de sua propriedade por suspeita de crimes contra a ordem trabalhista e contra os direitos humanos, além do chamado dumping social. Segundo o Ministério Público, a O Telhar estaria buscando vantagens comerciais por meio da adoção de condições ilegais e desumanas de trabalho (terceirização ilícita, condições degradantes e jornada exaustiva).

“A El Tejar, pelos relatórios de fiscalização realizados em várias de suas propriedades, pratica o dumping social e causa dano à sociedade, tanto de trabalhadores quanto de produtores rurais, pois esse procedimento adotado configura ato ilícito”, afirma o procurador-chefe do MPT em Mato Grosso, José Pedro dos Reis.

O Correio visitou a sede da fazenda Primavera, na última quarta, e fotografou os alojamentos considerados degradantes e as obras de melhorias. Na lavoura, trabalhadores terceirizados disseram que eram obrigados(2) a trabalhar até as 22h antes da “batida” do MPT. Agora, encerram a jornada às 18h, mas se queixam da falta de alimentação adequada. “Temos que cozinhar embaixo dos caminhões”, contou um deles. Duas empresas terceirizadas operavam no local naquele dia. A Agro MG fazia a colheita do milho e a Agrovisa fazia o transporte de grãos.

O MPT apurou que, para cada etapa de serviço é contratada uma empresa brasileira. As atividades de semeadura, plantio, pulverização de agrotóxico, colheita, armazenagem e transporte de grãos, que são atividades fins do negócio, são terceirizadas, configurando fraude na relação de trabalho, segundo o MPT.

Para o procurador-geral, os fazendeiros terceirizados enquadram-se na conceituação de “gatos”. Quando constatada a fraude na intermediação de mão de obra, o vínculo empregatício deve ser reconhecido. Foi o que fez o fiscal do trabalho ao lavrar o auto de infração em nome de O Telhar. O MPT tenta agora assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a empresa. (LV)

2 – Prática mundial

A empresa O Telhar Agropecuária informou, por meio de nota que, além de ter centenas de funcionários próprios, realiza contrato de locação de máquinas com diversas companhias, como é prática no Brasil e no mundo. “Nesses contratos, está prevista a exigência de cumprimento de todas as normas legais, inclusive as trabalhistas”, disse. No que se refere à investigação do Ministério Público, a empresa afirmou que, na ocasião, “agiu para verificar possíveis irregularidades ou desvios de conduta por parte das fornecedoras de máquinas agrícolas, assegurando o cumprimento da legislação e os procedimentos éticos que caracterizam sua atuação”.

Fonte – EcoDebate de 22 de junho de 2010

Imagem – vmaxray

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