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Ameaça à biodiversidade brasileira – a descabida proposta de alteração do Código Florestal

Um resumo do próximo post, para aqueles que bocejam ao ver um post longo.

Foi concluído o parecer do relator, deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) referente ao Projeto de Lei nº 1876/99, que propõe a alteração do Código Florestal. Em seu parecer, Aldo Rebelo cita a Bíblia em gênesis, contudo, pelo conteúdo da proposta, teria sido mais adequado se tivesse citado o apocalipse, considerando o enorme estrago ambiental que ocorrerá caso a proposta seja aprovada. A mudança no Código Florestal é um incrível retrocesso e será a pior perda ambiental que o Brasil já teve, como descrito por Jean Paul Metzger, Thomas Lewinsohn, Carlos Joly e Danilo Boscolo, pesquisadores renomados da USP, UNICAMP e UNIFESP. Diante da discussão atual de necessidade de revisão e alteração do Código Florestal Brasileiro, talvez o aspecto menos abordado, e mais importante, é que se discute o destino de um patrimônio de todos nós brasileiros. Nossas florestas têm um valor incalculável, pelos diversos benefícios diretos e indiretos que proporcionam. Já em seu primeiro artigo, o código florestal destaca que “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País”. Contudo, o setor do agronegócio tem dominado as discussões de alteração do código florestal e deturpado conceitos técnicos em seu próprio favor, com intenção de convencer a opinião pública. Assim, neste momento crítico, em que os ruralistas vêm divulgando erroneamente a informação de que o atual Código Florestal é retrógrado e desatualizado, e propondo inacreditáveis reduções nas suas já humildes restrições, toda a população merece ser informada do que realmente se pretende, e da importância desta Lei para toda a população brasileira, em especial, para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ambientais como produção de água, contenção da erosão, manutenção do clima, controle natural de pragas, etc…

Áreas de preservação permanente em grande risco

Algumas das alterações mais descabidas propostas no Projeto de Lei nº 1876/99 são as que prevêem a redução das áreas de preservação permanente e das suas restrições de manejo. Trata-se de verdadeiro crime contra os processos ecológicos vitais como o fluxo de fauna e flora, o ciclo da água e a estabilidade do solo. Áreas de preservação permanente (APPs) são aquelas áreas consideradas de extrema fragilidade, localizadas nas margens dos rios, topos de morros, ao redor de nascentes e outras. O atual Código Florestal destaca que as APPs tem função de “preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art.1º, § 2o, II)”. A comunidade científica é muito clara em ressaltar a importância das APPs, levando a concluir que o código florestal somente necessitaria ser revisto, para o caso de serem aumentados os limites das áreas de preservação permanente. Ao longo dos rios, atualmente a exigência mínima de preservação é de uma faixa de 30 m a partir das margens. No entanto, estudos científicos indicam que em muitos casos esta faixa de vegetação nativa deveria ser estendida para 50 m, para possibilitar o cumprimento da sua funcionalidade ambiental. Desta forma, o conhecimento científico obtido nos últimos anos permite não apenas sustentar os valores indicados no Código Florestal de 1965, em relação à extensão das Áreas de Preservação Permanente, mas na realidade indica a necessidade de expansão de seus valores mínimos. No entanto, afrontando a coerência científica, a proposta de alteração do código prevê reduzir a faixa mínima de APP para apenas 15 m nas margens dos rios. Adicionalmente, abre a possibilidade de que os Estados possam reduzir esta área mínima em até 50%, o que chegaria ao valor irrisório de 7,5 m. Além disto, o texto da alteração também propõe reduzir a restrição para os plantios em encostas e topos de morros, a despeito dos constantes episódios de deslizamentos e erosão que estamos acostumados a observar em várias regiões do país, todos causados pela degradação das florestas nos cumes e encostas íngremes. Entre outros disparates, a proposta também prevê que algumas várzeas, ambientes que reconhecidamente atuam como fontes de água e abrigos de biodiversidade, poderão deixar de ser área de preservação permanente, podendo ser manejadas retirando-se a vegetação nativa. É inacreditável e lamentável.

A deturpação da Reserva Legal

De acordo com o atual Código Florestal, a Reserva Legal (RL) é uma área com vegetação nativa “necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”. Ao contrário das APPs, a área da Reserva legal (RL) pode ser escolhida dentro de cada propriedade rural, indicada pelos proprietários, sob a aprovação do órgão ambiental. Pelo Código Florestal, no Brasil, o percentual da propriedade a ser conservado como RL varia em função do Bioma, sendo de 80 % na Amazônia, 35 % no Cerrado e 20% no restante do País. Assim como a APP, a manutenção da RL garante um espaço mínimo para a conservação dos ecossistemas naturais, viabilizando uma rede de conservação. Segundo os pesquisadores Jean Paul Metzger, Thomas Lewinsohn, Carlos Joly e Danilo Boscolo, a Reserva Legal contribui substancialmente para os serviços ecossistêmicos, pois aumenta a qualidade, a produtividade e a longevidade das áreas cultivadas e reduz sua degradação, garantindo, por exemplo, a disponibilidade de agentes polinizadores naturais, os quais podem reduzir os custos de produção de frutas e de grãos. Ainda assim, o texto do Projeto de Lei nº 1876/99 prevê a extinção da obrigatoriedade da Reserva Legal em propriedades de até quatro módulos rurais. No Paraná, estas propriedades podem atingir até 120 ha e representam cerca de 90% do total de propriedades. Desta forma, a grande maioria das propriedades rurais não teria mais a obrigatoriedade de manter 20% (no Paraná) como Reserva Legal, deixando de contribuir para a manutenção de um mínimo de cobertura vegetal nativa. É preciso lembrar que o Paraná era originalmente coberto por mais de 80% de florestas, sendo o restante ocupado por campos naturais e cerrados. O clima e os ciclos hidrológicos, assim como as comunidades biológicas, sofrerão bruscas alterações com a redução dos remanescentes vegetais nativos resultante da alteração do Código Florestal. O pesquisador Jean Paul Metzger anuncia que a aprovação das alterações propostas certamente repercutirá em várias extinções de espécies nos próximos anos. Além disso, alterar de forma tão radical uma regra estabelecida há 45 anos, isentando a maioria das propriedades de manter a Reserva legal, no mínimo representa um grande desrespeito com a população que cumpriu a legislação conservando a RL que, no Paraná, representam 112.886 proprietários rurais (dados de 31de maio de 2010).

Alterar pode ser benéfico, desde que com embasamento científico

Uma revisão na legislação ambiental poderia ser benéfica, se fosse discutida com a comunidade científica, atendendo os inúmeros estudos e pesquisas que foram realizados nestes últimos 45 anos no Brasil, especialmente atendendo princípios da conservação. Contudo, a proposta atual está voltada somente para o setor produtivo, com o argumento de aumentar a produção agrícola, sem atender requisitos mínimos necessários para a conservação da biodiversidade. Pelo contrário, o Projeto de Lei nº 1876/99 sugere propostas que representam verdadeira agressão em épocas de preocupação com o desenvolvimento sustentável. Nosso ambiente já foi extremamente alterado e precisamos agir com critério técnico, pensando na manutenção dos serviços ambientais e na conservação da fauna e da flora, no futuro. É preciso ampliar as discussões sobre o código florestal, com critérios científicos, que considerem também os aspectos de conservação da natureza, e que representem o real posicionamento de toda sociedade brasileira, e não de forma unilateral como vem sendo tratada até momento. Contudo, deixar para que cada estado da Federação determine suas próprias regras ambientais significaria submeter os futuros governadores às pressões dos interesses regionais e, acima de tudo, representaria um grande risco ambiental ao país. Resta a nós, comunidade potencialmente afetada pelas conseqüências futuras destes atos, ficarmos muito atentos e refletir no momento das próximas eleições, escolhendo como nossos futuros representantes legislativos, aqueles que realmente terão compromisso com a vida no planeta.

Para manifestar apoio em defesa do Código Florestal acesse:

http://www.avaaz.org/po/salve_codigo_florestal/

http://www.sosflorestas.com.br/

http://www.sosma.org.br/exterminadores/index.php

Autores – Mariese Cargnin Muchailh, Engenheira Florestal, Especialista em Conservação da Biodiversidade, M.Sc. Conservação da Natureza; Luiz Renato Martini, Engenheiro Florestal; Christopher Thomas Blum, Engenheiro Florestal, Especialista em Gestão Ambiental, Doutor Em Conservação da Natureza

Fonte – Sociedade Chauá

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